Previdência Municipal: o que está em jogo com a Reforma

Previdência Municipal: o que está em jogo com a Reforma

Foto: Vinicius Becker (Diário)

Imagine que a Previdência de Santa Maria é uma caixa d’água que abastece aposentados e pensionistas. A água entra com as contribuições dos servidores ativos e da prefeitura. A água sai para pagar os inativos. O problema: a caixa está furada e o fluxo de entrada é menor do que o de saída. Se o ideal são três pessoas para encher a caixa para cada uma que retira, no município, a conta está em 1,23/1.

Para garantir os pagamentos, a prefeitura traz baldes extras de água (R$ 215 milhões só em 2025) para não deixar a caixa secar. Mas, isso tem um preço: menos investimentos em outros setores e um sistema que vai gerar um déficit de R$ 4,5 bilhões nas próximas décadas, conforme projeção de especialistas.


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Como alternativa para equilibrar essa conta, no dia 18 de setembro, Santa Maria apresentou dois cenários para a reforma do Regime Próprio da Previdência Social (RPPS) o que inclui aumento da idade mínima, alíquotas que podem chegar a 22% e o fim de benefícios como o abono de permanência. A prefeitura justifica a urgência da reforma para garantir a saúde do sistema financeiro. Por outro lado, aos olhos dos servidores municipais, significará menos direitos.

O Conselho Consultivo, formado por representantes da categoria, tem até a segunda-feira (29) para apresentar sugestões. Depois, a reforma é encaminhada para o Legislativo que vota para implantar a reforma, ou não, a partir de 2026.

Os valores de contribuição dos ativos são usados para pagar os aposentados. É assim no Regime Próprio de Santa Maria e em outros no país. O que acontece é que, atualmente, essa conta está abaixo do ideal, que é 3/1 (três servidores ativos para um servidor inativo). A relação atual observada é de 1,23 servidor ativo para cada beneficiário, conforme informações divulgadas pela prefeitura. No cenário atual, ambos têm um desconto de 14% sobre valores que excedem o teto do regime. A diferença é que, no caso dos aposentados e pensionistas, não há desconto em salários de até R$ 8,1 mil, que é o teto do INSS. 


Como funcionam os descontos na prática: 

  • Cenário 1: se um servidor inativo recebe R$ 9 mil de provento de aposentadoria ou pensão, ele vai contribuir com o percentual sobre o excedente, isto é, vai contribuir com 14% de R$ 842,59, o que resulta em uma contribuição de R$ 117,96
  • Cenário 2: se um servidor ativo receber R$ 9 mil, retira-se o auxílio-alimentação (R$ 451,08) e o auxílio-transporte (em torno de R$ 265,00), tendo como resultado uma base de cálculo de: R$ 8.283,91. Esse valor multiplica-se por 14%, que resulta em uma contribuição de R$ 1.159,75


Número de servidores ativos e inativos 

*em agosto de 2025

  • Ativos: 3.235
  • Aposentados e pensionistas: 2.633

Fonte: prefeitura de Santa Maria


O resultado disso é um sistema instável que, atualmente, não tem dinheiro suficiente para bancar os beneficiários. A prefeitura paga uma alíquota de 23% e um valor extra (chamado de passivo atuarial) que, em 2025, será de R$ 180 milhões para cobrir o déficit previdenciário. Este ano, pela primeira vez, o Executivo irá aportar mais de R$ 35 milhões para pagar a folha dos inativos (aposentados) e pensionistas, além dos R$ 180 milhões. Ou seja, são R$ 215 milhões destinados à Previdência em 2025 – fora o valor referente à alíquota de 23%.

A situação preocupa e motivou a proposta de reforma da Previdência municipal porque as cifras extras têm crescido muito a cada ano, o que reduz a capacidade da prefeitura de investir em outras áreas e pode até provocar atraso de salários e de fornecedores no final do ano. Em 2015, o repasse extra da prefeitura ao Ipassp tinha sido de R$ 22,3 milhões, subindo para R$ 61,5 milhões em 2020, e podendo chegar a R$ 215 milhões este ano. Todo esse recurso extra sai do caixa livre do Executivo que poderia ser utilizado para melhorias em ruas ou nas estradas dos distritos, por exemplo, ou contratação demais servidores para as unidades de saúde escolas. 


O cálculo:

Valor destinado anualmente para o Ipassp (prefeitura): projeção de R$ 55 milhões até dezembro de 2025 

+ R$ 180 milhões atual para cobrir o déficit 

+ R$ 35 milhões (colocado no Ipassp, este ano, pela prefeitura)

= Total: R$ 270 milhões

(estimativa de gasto da prefeitura com a Previdência Social em 2025)


Histórico do valor de repasse do cálculo atuarial, ou seja, daquele destinado para cobrir o déficit previdenciário: 

ANO
VALOR
% CRESCIMENTO
2008
R$ 3.100.000,00
-
2009
R$ 5.800.000,00
87,10%
2010
R$ 6.400.000,00
10,34%
2011
R$ 7.200.000,00
12,50%
2012
R$ 11.000.000,00
52,78%
2013
R$ 13.800.000,00
25,45%
2014
R$ 17.800.000,00
28,99%
2015
R$ 22.300.000,00
25,28%
2016
R$ 29.000.000,00
30,04%
2017
R$ 36.300.000,00
25,17%
2018
R$ 45.500.000,00
25,34%
2019
R$ 55.000.000,00
20,88%
2020
R$ 61.500.000,00
11,82%
2021
R$ 66.000.000,00
7,32%
2022
R$ 90.000.000,00
36,36%
2023
R$ 97.000.000,00
7,78%
2024
R$ 135.000.000,00
39,18%
2025
R$ 180.000.000,00
33,33%


O que é previdência 

A Previdência Social é um grande seguro. Na prática, serve para proteger os cidadãos de fatores como desemprego, doença ou idade. Quando uma pessoa completa determinada idade ou tempo de contribuição (ou ainda a combinação de ambos) têm direito a uma aposentadoria. O mesmo acontece em outros cenários. Uma mulher grávida, por exemplo, quando precisa se afastar do trabalho passa a receber o salário-maternidade.

– Então, a Previdência Social é isso: um sistema de proteção ao trabalhador e a sua família nos momentos em que, por alguma contingência, não consegue exercer suas atividades laborais – completa o advogado Guilherme Ziegler Huber, especialista em direito previdenciário.

O advogado explica que existem vários tipos de regime no país. O Regime Geral é administrado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e abrange trabalhadores da iniciativa privada. Há os regimes voltados às Forças Armadas e, também, os Próprios – que são competência de cada município, Estados ou União e destinados aos servidores públicos. Esse é administrado pelo Instituto de Previdência e Assistência à Saúde dos Servidores Públicos (Ipassp). São regimes distintos, com regras específicas para cada um.

Foto: Vinícius Becker (Diário)

Dessa forma, Santa Maria também opera a partir do Regime Próprio que dá conta da Previdência dos servidores municipais, como os professores. Ao contrário do que muitos podem pensar, o valor destinado à Previdência não é guardado em um cofre, que será repassado para uma aposentadoria no futuro. As contribuições com o Ipassp são destinadas a pagar os inativos (aposentados e pensionistas). Logo, no futuro, o valor destinado ao Instituto pelos servidores que ainda serão nomeados será usado para pagar a aposentadoria dos ativos hoje. 


O que pode mudar com a Reforma 

O projeto de lei da reforma da Previdência dos funcionários da prefeitura de Santa Maria será enviado à Câmara em outubro após a prefeitura ouvir propostas dos sindicatos e demais envolvidos. Os cenários iniciais previstos pelo Igam preveem as seguintes mudanças, que ainda podem ser alteradas,já que não é a proposta concreta.


Idade mínima para se aposentar

PROFESSORES

Como é hoje

  • Mulheres - 50 anos 
  • Homens - 55 anos 


Como pode ficar

  • Mulheres - 57 anos
  • Homens - 60 anos


DEMAIS SERVIDORES MUNICIPAIS

Como é hoje

  • Mulheres - 55 anos
  • Homens - 60 anos


Como pode ficar

  • Mulheres -  62 anos
  • Homens - 65 anos


AUMENTO DE ALÍQUOTAS DE CONTRIBUIÇÃO

Servidores da ativa

  • Como é hoje – Atualmente, o desconto para Previdência é de 14%
  • Como deve ficar – Em um cenário, as alíquotas poderão ficar em 14%, 16%, 18% e 20%, conforme a faixa de renda do servidor. Em outro cenário, poderão ficar em 14%, 18% e 22%. É um sistema progressivo de alíquotas, o que gera uma alíquota efetiva menor na prática, variável conforme o salário do servidor. Porém, esses percentuais ainda estão em discussão com os sindicatos e o Ipassp


Servidores aposentados e pensionista

  • Como é hoje – Aposentado que recebe até o teto do INSS, de R$ 8.157,41, não tem desconto de Previdência. Para quem ganha acima disso, paga 14% sobre o valor que excede o teto. Por exemplo, um aposentado que recebe R$ 9 mil tem desconto previdenciário de R$ 117,96, pois são 14% dos R$ 842 que excedem o teto do INSS. A título de comparação, um servidor da ativa que ganha R$ 9 mil tem desconto de R$ 947
  • Como deve ficar – Todos os aposentados com proventos acima de 1 salário mínimo passam a ter desconto de Previdência com as novas alíquotas propostas


OUTRAS REGRAS PREVISTAS

  • Em casos de incapacidade permanente comum, o benefício será proporcional ao tempo de serviço, enquanto em acidente ou doença de trabalho, o cálculo de 100% da média aritmética
  • A integralidade deixa de ser garantida em casos de doença grave. Já a pensão por morte passa a ser de 50% da aposentadoria mais 10% por dependente, sem reversão das cotas, e vitalícia apenas para quem tiver a partir de 45 anos (na data do óbito)
  • As propostas incluem regras específicas para aposentadoria especial, como no caso de servidores com deficiência, que passam a ter critérios definidos em lei municipal, e a criação de regras de transição baseadas em pontos ou pedágios. Nas aposentadorias voluntárias, tanto pelas regras permanentes quanto pelas de transição, o cálculo dos proventos será assim: 60% da média das contribuições acrescidas de 2% para cada ano de contribuição que ultrapassar 20 anos. Já os servidores admitidos até 31/12/2003 que cumprirem requisitos das regras de transição terão direito à integralidade dos proventos e à paridade


Especialistas avaliam cenários de Santa Maria

Para o advogado Guilherme Ziegler Huber, que atua e acompanha de perto o cenário em Santa Maria, a Reforma deveria ter sido feita de forma mais transparente. Ele defende que a existência do deficit deve ser discutida de forma mais aprofundada.

– Eu acredito que não necessariamente deveria ter ocorrido antes (a Reforma). Mas acho que ela deveria ter sido feita de forma mais transparente. Devemos nos perguntar: existe mesmo um déficit? E, se existe, quais são os motivos? Será que o problema do IPASSP-SM (Instituto de Previdência e Assistência à Saúde dos Servidores Públicos Municipais de Santa Maria) é a quantidade de aposentados? Ou será que o próprio governo municipal tem retirado valores da Previdência e os destinado a outras áreas da prefeitura?

Para ele, o ponto mais crítico das mudanças são as alíquotas, ou seja, aquele percentual descontado na folha de pagamento:

– A média salarial do servidor público municipal gira em torno de R$ 9 mil e, segundo o projeto de reforma, são justamente os servidores que recebem acima disso que passarão a contribuir com valores bastante altos, chegando a até 22% para quem ganha na faixa dos R$ 14 mil ou mais. Então, eu vejo que haverá um aumento muito significativo nas contribuições desses servidores. Por isso, seria importante discutir também a criação de uma regra de transição para esse aumento das alíquotas.

A professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Máris Gosmann, com base nos dados apresentados sobre o cenário no município, avalia a Reforma. Para ela, é necessário equilibrar as contas e não deixar a dívida para as próximas gerações. O déficit, nesse sentido, precisa ser encarado com responsabilidade.

Quando a gente ouve falar que o déficit é de “bi”, assusta. É um déficit muito significativo. E a reforma ajuda a promover uma equidade intergeracional porque temos uma geração que deveria ter contribuído mais e não contribuiu. Agora, cabe à geração atual, inclusive àqueles que já estão próximos da aposentadoria, compensar esse desequilíbrio. A ideia é aproveitar o tempo que ainda temos com essas pessoas ativas, para equilibrar as contas e não deixar essa dívida toda para as próximas gerações - afirma Máris.



Há outra alternativa? 

R$ 4,5 bilhões é “muita coisa”. É o que afirma a professora da UFRGS. Questionada se existe outra alternativa que não seja a Reforma, ela cita o repasse de ativos, bens e direitos ou a venda de patrimônio público em que o valor seria destinado à previdência. Mas, segundo ela, não há como fugir de uma dessas escolhas:

– Infelizmente, as alternativas reais e viáveis hoje são essas que já estão previstas em portaria: aportes com venda de ativo, aumento de alíquotas, reforma e, eventualmente, segregação de massa. Não tem muito por onde fugir.


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